sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Prisma.

As primeiras luzes do dia estão por aparecer, acompanhadas do frio e da umidade da estação do ano. O corpo a pedir por mais horas de sono e o compromisso a sacudi-lo. É hora de agir rápido, muito rápido. Agora estamos dentro, no abrigo; agora estamos fora, na viatura, que se desloca veloz pelas ruas ainda cinzentas com os restos da noite. Não é perceptível o tempo do percurso ou a paisagem, somente o silêncio interior. O deslocamento parece ocorrer em um túnel, onde deixamos quem somos ao nele ingressar. O único foco é a operação, o objetivo, sem conjecturas, sem vacilo. Parada brusca, portas da viatura escancaradas, corre-corre, latidos, pé na porta, gritos e o objetivo alcançado. O dia clareou totalmente, a vizinhança acordou, e os cachorros, como por mágica saíram de cena. O dia inicia mais cedo para os moradores da rua e adjacências. Alguns observam o movimento mais timidamente, abrindo apenas pequenas frestas das janelas. Outros abrem todas as janelas e até mesmo saem à rua para ver e se inteirar melhor dos fatos. Vozes emanam de uma precária moradia.
– Eu quero ver, eu quero ver! – insiste a voz infantil.
Uma voz feminina num tom de tolerância ordena: – Deixa ela ver a polícia!
Na janela, com um sorriso de satisfação, apóia-se a menininha, que fica a contemplar a cena. Os vizinhos, motivadores de toda aquela agitação matinal, estão sentados no banco de trás da viatura, fato que, ao olhar infantil, parece lhes conferir importância. Com uma entonação de voz que imprime orgulho à afirmação, a criança pergunta:
– O pai também já foi preso, né, mãe?
A mãe ri e confirma o fato, satisfazendo a filha.
As portas da viatura batem, a sirene estridente soa alto monopolizando a atenção de todos. Fica para trás a menina em sua janela.

3 comentários:

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  2. Muito bom!
    Acho que o título ficou perfeito... "prismática" é a ótica que cada um pode ter. Os caminhos também... existem muitas coisas a refletir sobre este texto. Espero que as pessoas saibam como aproveitar.
    Um beijo do filho Índio.

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  3. Devias escrever mais vezes. Teus textos surpreendem. Possuem a dose exata do suspense, do final inesperado. E o mais importante, gera em nós a necessidade de pensar.
    Beijo

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