quinta-feira, 10 de março de 2011

Polícia por vocação.

Um dia, durante o treinamento, ouvi de um professor a máxima de que ninguém entra em uma Delegacia para dizer como está bem, feliz, ou para perguntar se estamos bem, salvo um amigo em visita de cortesia. É verdade. Costumamos expressar a nossa lida como “só rolo”. Salvo uma ou outra exceção, nossa clientela já vive no “rolo” como prática cotidiana, quer pelas dificuldades financeiras, quer por situações familiares ou de vizinhança. Para muitos, beber e usar outras drogas são hábitos banais, que terminam por incorporar a mesma banalidade no cotidiano dos filhos e dos companheiros. É uma triste constatação. Evidente que o mesmo ocorre nas classes sociais mais favorecidas, porém, para estas, ir à uma Delegacia é o último dos recursos, pois manter as aparências ainda é uma atitude necessária. Furtos, roubos, acidentes de trânsito, são registros necessários, mas, fora estes, já há o temor de ingresso num contexto humilhante. Para estes, sofrer agressões do marido ou da mulher, parece ser levado ao limite do insuportável, em um certo aspecto pelo constrangimento da exposição a terceiros, representados pelos policiais de uma delegacia e, por outro, por haver a associação de delegacia com pobreza, preconceito arraigado há longa data. Por mais que o policial atendente se mantenha neutro, sempre há a dúvida sobre qual é o seu pensamento enquanto registra a ocorrência. Ouvi um jovem policial dizer que o apoio emocional às vítimas não era sua função, pois não era assistente social, mas sim, policial. Penso que, em vista de sua formação acadêmica, realmente ele estava certo, porém, percebo que há um equívoco no entendimento do jovem quanto às suas funções de servidor público. O policial tem que ter, ao natural, a solidariedade, a sensibilidade para perceber a necessidade de sua interferência sempre que a situação assim exigir. Não é uma questão de ser assistente social ou psicólogo, mas de ser muito gente, especialmente vocacionado, para tratar adequadamente quem busca auxílio movido pela necessidade e muitas vezes estando fragilizado. É uma tarefa desgastante, mas necessária. Creio que é mesmo uma questão de vocação. Hoje, no Brasil e em outras partes do mundo, a idéia está voltada para a concretização de uma polícia comunitária e pacificadora. Colocá-la em prática pode se tornar pura utopia se não houver a vocação já referida. Pessoas embrutecidas e impacientes certamente comprometem o processo. Ouso dizer que a imagem da polícia equivale à imagem do policial que registra a ocorrência. Se ele estiver atrás de um balcão, no fim do mundo, registrando ocorrências, até lá, a imagem que ele transmite se confundirá com a da instituição. E, infelizmente, o fator negativo marca muito mais a memória que o positivo. Todos sabemos disso, mas eu só quis dizer.