Voar é para os pássaros, mas o homem, louco de inveja e
sedento de adrenalina resolveu arranjar um meio de realizar a proeza. Eu, como
gosto de deslocamentos rápidos, nada posso fazer senão aderir. Mas, cá entre
nós, não espalhem, não consigo ficar confortável dentro daquele trambolho com
asas. Confesso que, se adiantasse, embarcaria vestida com roupa de mergulho
completa, (incluindo cilindro de oxigênio e pés de pato) e paraquedas, pronta
para qualquer eventualidade. Mas, segundo um amigo piloto, não é solução. Resta
desistir da ideia, relutante, muxoxeando como criança e, enfrentar. É que sinto
uma certa insegurança, em vista da distância do solo. Nas alturas as nuvens são
lindas, o relevo distante, tão cheio de altos e baixos, torna-se minúsculo e o
oceano parece uma película brilhante. Tudo parece composto de serenidade, menos
os meus pensamentos, que insistem em questionar o que a falta de opção deveria
vetar por ser inquestionável. Será que o piloto dormiu bem antes do voo? Será
que pilota tão bem quanto eu dirijo? Bah, daí a coisa fica complicada e resolvo
ler, sem sair da mesma linha por dez minutos. Foi mais ou menos assim o meu
retorno do Rio. Voo atrasado sem explicações seguido de um ritual moroso entre
acomodação de sacolinhas, bolsas e distribuição de balinhas. O piloto com voz
sensual comunicou um defeito na ventilação, já sanado, o que foi confirmado
pelo cheiro de óleo ou plástico que começou a exalar junto com o vapor que saia
pelo duto. É incrível como as pessoas fazem cara de paisagem diante de
situações duvidosas! Entendi a razão de não deixarem embarcar com artefatos do
tipo machados, martelos e outros, pois pensei que seria bom ter um deles para
quebrar o vidro e deixar entrar ar de verdade por aquele buraco, que imagina-se
ser uma janela. Depois de muito anda e para na pista, o urubu subiu! Cruzes!
Mais ou menos na metade do percurso, cansada de tanta reza forte, novamente
ouvi o piloto, ou o comissário, dizer para ficarmos sentados com os cintos,
pois estávamos atravessando uma área de turbulência. Eu senti um forte ímpeto
de levantar e gritar-vai à merda e dirige esta porcaria direito, motorista!-mas
evidentemente mantive a cara de paisagem padrão, comum no avião.
No final das contas, nem sacudiu muito. Foi só um 1º de Abril
aplicado pelo piloto em pleno mês de fevereiro. Pousamos em Porto Alegre, para
minha alegria, com a destreza de um pelicano, e todos os passageiros com cara
de paisagem. Foi mais ou menos assim, sem contar o duelo entre o comissário e
uma velhinha. Bem, não sou um pássaro, e sofro da inveja original dos humanos querendo
voar também. Deve ser também uma ponta de masoquismo da minha parte, disfarçada
de senso prático, mas que deixo para analisar em outra vida, pois nesta estou
ocupada planejando o próximo voo. Mas eu só quis dizer.