terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Olhos verdes.




Saímos para cumprir um mandado. A tarde estava abafada e úmida. Chegamos ao casebre, e um homem velho nos atendeu. No interior, numa cama de casal, duas mulheres que dormiam despertaram ao entrarmos. O ar naquele lugar era irrespirável. A distância entre as tábuas do chão permitia ver que logo abaixo havia um solo úmido, de onde exalava cheiro de esgoto. As buscas iniciaram percorrendo os cantos do cubículo destinado à cozinha. Sobre o fogão havia panelas com restos de comida do almoço, fermentando com o calor e atraindo a presença de moscas. O Velho tossia muito, assim como uma das mulheres, segundo eles, em razão de asma. Mais provável uma tuberculose, em vista da desnutrição. Nós, ali, respirando o mesmo ar viciado e saturado pelo mau cheiro. O esgoto da casa corria para uma vala rasa, que transbordara durante as fortes chuvas que caíram na região. Por isso, o terreno ficara coberto por uma fina camada de excrementos  fluidificados. Era difícil a revista do local; era nojento mexer em qualquer coisa lá. Em seguida chegaram três crianças, filhos de uma das mulheres. Um dos pequenos começou a chorar, assustado com a nossa presença. A mãe mandou que sentassem em um degrau. Abaixei para conversar com eles, tentar acalmá-los. Deparei com  três lindos pares de olhos verdes a me fitar, com a inocência peculiar das crianças, vivam onde viverem. Ali era a casa delas. Sobre o fogão, a comida em fermentação que comeriam. Aquela mãe que tossia era o único porto seguro que conheciam. Estavam brincando na margem do rio, quando alguém avisou que fossem para casa; e para lá correram, sem entender o que acontecia. Passado o susto inicial, logo já estavam à vontade, apesar da nossa presença, encantados com a viatura. Receberam alguma atenção nossa e foram acalmando. Dava para perceber que aquelas crianças haviam tocado o coração de cada um de nós, embora não pudéssemos demonstrar abertamente. Resolvemos ir embora, pois nada havia ali. Porta fria, mas o coração febril, apertado. Da viatura olhei novamente para as três e só pude pensar onde estava Deus. Vida de polícia.... Alguém quer experimentar?

4 comentários:

  1. Excelente, como sempre!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Paulo Ricardo! Me alegra e incentiva o fato de leres os meus escritos!

      Excluir
  2. Eu achei lindo. Às vezes acho o teu empenho em detalhar bem Dostoiévski :)

    ResponderExcluir