domingo, 2 de setembro de 2012

Um, dois, três, ladrão!! Brincar de esconde-esconde deu cana boa!!


Pois foi assim, numa tranquila tarde de um feriado, num plantãozinho básico. Estávamos na DP, quando tocou o celular da Volante. Meu parceiro atendeu. Do outro lado da linha a proprietária de um estabelecimento comercial local, que, durante a madrugada, havia sido arrombado pela segunda vez na mesma semana. Muito nervosa, pedia ajuda, relatando estar com serralheiros colocando grades na loja, e haver um sujeito parado na calçada observando os trabalhos. Relatou que esse trajava uma camisa idêntica a uma das que haviam sido furtadas da vitrine na madrugada. O colega – que era cliente da loja –  explicou que não poderíamos agir apenas em função da semelhança entre a camisa furtada e a usada pelo sujeito; disse que iríamos dar uma circulada e passaríamos na loja. Ao chegarmos lá, soubemos que o desconhecido já havia saído do local, acompanhado de outro elemento. A partir da descrição dada pela comerciante, visualizamos um deles, que se deslocara até um ponto de ônibus, distante uns 200 metros, em uma transversal à rua da loja. Trafegamos lentamente até ele e resolvemos abordá-lo. A criatura estava na “paz”, sentado em uma pedra, olhos congestionados e não se alterou diante da nossa chegada. Estava sem identidade e nos forneceu o nome  completo, endereço, nome da mãe, data de nascimento, num ar de total inocência. Admitiu ter “fumado um” e que estivera na frente da loja para observar o trabalho dos serralheiros. Sem termos mais nada para fazer ali, entramos na viatura, deixando o rapaz no local. Meu parceiro, meio ninja, apenas disse: – Tinha um cara, do outro lado da rua, que saiu de fininho quando chegamos. Era o outro. Entrou naquela casa logo ali. Vou te mostrar.
Dei-me conta de que eu tinha fixado o primeiro sujeito e não tinha visto o segundo. Fiquei irritada comigo, pois havia “comido mosca” durante a abordagem. Dizem que olhos de japonês são dois risquinhos, mas, evidentemente, isso não elimina a acuidade visual. Passamos, então, na tal casa, e lá estava o outro, sentado dentro do pátio. Nada podíamos fazer. Fiquei frustrada com a situação. Retornamos à loja. Meu colega foi falar com a  proprietária, e eu resolvi caminhar até a esquina, para visualizar a casa e ver se o sujeito havia saído para a rua novamente. Como eu queria saber qual era o plano daqueles dois! Na esquina, espiei, como uma criança brincando de esconde-esconde. Não queria ser vista pelos dois sujeitos.
Os transeuntes devem ter achado estranho o meu comportamento, encostada no imóvel da esquina, espiando a rua transversal. Para minha surpresa, visualizei os dois rapazes juntos no ponto de ônibus. O malandro havia saído do ferrolho! Voltei correndo para a viatura chamando o meu dupla. Ele não sabe, mas naquele momento me senti com oito anos e prestes a gritar: – Um, dois três, ladrão! Bati! – como fazia quando brincava de esconder. Num piscar de olhos, já estávamos ao lado do segundo sujeito, que carregava uma mochila e já retornava para a casa onde o havíamos visto anteriormente. Meu colega pediu que ele parasse para conversarmos. Descemos, encaminhamos o suspeito para a calçada e pedimos seus documentos. Quando meu dupla pediu para que ele abrisse o casaco, eis o que apareceu por baixo: dois outros casacos, iguais em cor e modelo. Não estava tão frio para ele estar vestido como uma cebola, trajando tantas peças sobrepostas, estranhamente iguais e com aparência de novíssimas. Pedimos que mostrasse o conteúdo da mochila. Ao abri-la, vimos que havia várias peças de roupas. Cada peça trazia a etiqueta com o preço. Gostei do sorriso que brotou no rosto do meu parceiro. Um misto de satisfação e humor, pois, para nós, chegava a ser engraçado flagrar a criatura portando tudo aquilo e, ainda mais, em frente à própria residência. Como havíamos constatado ser  menor de idade, atravessei a rua e fui chamar a mãe dele. Da porta de entrada deu para ver que a sala era usada como brechó. Acho que o nosso “jovem cliente” estava querendo entrar para o comércio de roupas, inspirado na atividade comercial da mãe. O resto da história correu como costuma sempre que o autor é adolescente. Tudo devidamente registrado em conformidade com a lei, inclusive o relato sobre a participação do outro envolvido, que, aliás, vendo a cena na rua, desapareceu do ponto de ônibus quase num passe de mágica. Escafedeu-se! Foi um bom trabalho, com resposta quase imediata à vítima, que recuperou uma boa parte de suas mercadorias furtadas. Nós, policiais, pela sensação de dever cumprido, ganhamos o dia. O largo sorriso juvenil do meu colega, ao comentar os fatos, evidenciava a satisfação que sentia. E, na minha fisionomia, talvez estivesse presente a expressão da infância, ao bater alguém antes que chegue ao ferrolho. Pois é, em meio às agruras do trabalho policial, ainda conseguimos sorrir: ou por conta da imaginação divertida; ou da operação exitosa, afinal, é muito bom ser feliz trabalhando. Mas eu só quis dizer, em homenagem ao meu querido amigo e ex-dupla da Volante, um policial dedicado e ser humano que amo como a um filho.

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