Pois foi assim, numa tranquila
tarde de um feriado, num plantãozinho básico. Estávamos na DP, quando tocou o
celular da Volante. Meu parceiro atendeu. Do outro lado da linha a proprietária
de um estabelecimento comercial local, que, durante a madrugada, havia sido
arrombado pela segunda vez na mesma semana. Muito nervosa, pedia ajuda,
relatando estar com serralheiros colocando grades na loja, e haver um sujeito
parado na calçada observando os trabalhos. Relatou que esse trajava uma camisa
idêntica a uma das que haviam sido furtadas da vitrine na madrugada. O colega –
que era cliente da loja – explicou que
não poderíamos agir apenas em função da semelhança entre a camisa furtada e a
usada pelo sujeito; disse que iríamos dar uma circulada e passaríamos na loja.
Ao chegarmos lá, soubemos que o desconhecido já havia saído do local,
acompanhado de outro elemento. A partir da descrição dada pela comerciante,
visualizamos um deles, que se deslocara até um ponto de ônibus, distante uns
200 metros, em uma transversal à rua da loja. Trafegamos lentamente até ele e
resolvemos abordá-lo. A criatura estava na “paz”, sentado em uma pedra, olhos
congestionados e não se alterou diante da nossa chegada. Estava sem identidade
e nos forneceu o nome completo,
endereço, nome da mãe, data de nascimento, num ar de total inocência. Admitiu
ter “fumado um” e que estivera na frente da loja para observar o trabalho dos
serralheiros. Sem termos mais nada para fazer ali, entramos na viatura,
deixando o rapaz no local. Meu parceiro, meio ninja, apenas disse: – Tinha um
cara, do outro lado da rua, que saiu de fininho quando chegamos. Era o outro.
Entrou naquela casa logo ali. Vou te mostrar.
Dei-me conta de que eu tinha fixado
o primeiro sujeito e não tinha visto o segundo. Fiquei irritada comigo, pois
havia “comido mosca” durante a abordagem. Dizem que olhos de japonês são dois
risquinhos, mas, evidentemente, isso não elimina a acuidade visual. Passamos,
então, na tal casa, e lá estava o outro, sentado dentro do pátio. Nada podíamos
fazer. Fiquei frustrada com a situação. Retornamos à loja. Meu colega foi falar
com a proprietária, e eu resolvi
caminhar até a esquina, para visualizar a casa e ver se o sujeito havia saído
para a rua novamente. Como eu queria saber qual era o plano daqueles dois! Na
esquina, espiei, como uma criança brincando de esconde-esconde. Não queria ser
vista pelos dois sujeitos.
Os transeuntes devem ter achado
estranho o meu comportamento, encostada no imóvel da esquina, espiando a rua
transversal. Para minha surpresa, visualizei os dois rapazes juntos no ponto de
ônibus. O malandro havia saído do ferrolho! Voltei correndo para a viatura
chamando o meu dupla. Ele não sabe, mas naquele momento me senti com oito anos
e prestes a gritar: – Um, dois três, ladrão! Bati! – como fazia quando brincava
de esconder. Num piscar de olhos, já estávamos ao lado do segundo sujeito, que
carregava uma mochila e já retornava para a casa onde o havíamos visto
anteriormente. Meu colega pediu que ele parasse para conversarmos. Descemos,
encaminhamos o suspeito para a calçada e pedimos seus documentos. Quando meu
dupla pediu para que ele abrisse o casaco, eis o que apareceu por baixo: dois
outros casacos, iguais em cor e modelo. Não estava tão frio para ele estar
vestido como uma cebola, trajando tantas peças sobrepostas, estranhamente
iguais e com aparência de novíssimas. Pedimos que mostrasse o conteúdo da
mochila. Ao abri-la, vimos que havia várias peças de roupas. Cada peça trazia a
etiqueta com o preço. Gostei do sorriso que brotou no rosto do meu parceiro. Um
misto de satisfação e humor, pois, para nós, chegava a ser engraçado flagrar a
criatura portando tudo aquilo e, ainda mais, em frente à própria residência.
Como havíamos constatado ser menor de
idade, atravessei a rua e fui chamar a mãe dele. Da porta de entrada deu para
ver que a sala era usada como brechó. Acho que o nosso “jovem cliente” estava
querendo entrar para o comércio de roupas, inspirado na atividade comercial da
mãe. O resto da história correu como costuma sempre que o autor é adolescente.
Tudo devidamente registrado em conformidade com a lei, inclusive o relato sobre
a participação do outro envolvido, que, aliás, vendo a cena na rua, desapareceu
do ponto de ônibus quase num passe de mágica. Escafedeu-se! Foi um bom
trabalho, com resposta quase imediata à vítima, que recuperou uma boa parte de
suas mercadorias furtadas. Nós, policiais, pela sensação de dever cumprido,
ganhamos o dia. O largo sorriso juvenil do meu colega, ao comentar os fatos,
evidenciava a satisfação que sentia. E, na minha fisionomia, talvez estivesse
presente a expressão da infância, ao bater alguém antes que chegue ao ferrolho.
Pois é, em meio às agruras do trabalho policial, ainda conseguimos sorrir: ou
por conta da imaginação divertida; ou da operação exitosa, afinal, é muito bom
ser feliz trabalhando. Mas eu só quis dizer, em homenagem ao meu querido amigo
e ex-dupla da Volante, um policial dedicado e ser humano que amo como a um filho.
Lindo! Demais! bjs
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