Foi meu primeiro plantão como
policial em dia de carnaval. Até certo horário tudo correu normalmente, apenas podia-se
ver e ouvir os foliões passando em frente a DP, rumo ao local das costumeiras festas.
Uns rindo e conversando, outros já trôpegos, diria já prontos, no estado que
julgavam ser o ideal para “aproveitar” a noite. Homens, mulheres, rapazes,
meninas, alguns, frequentadores da delegacia, outros, nem tanto, enfim, todos
escoando em direção à praia. Ouvia-se muita música ao longe, entremeada pelo
som extremo que partia dos veículos em circulação. Parecia um prenúncio de
guerra. Deus, que saudade da minha casa! Assim permaneceu, como se toda aquela
gente estivesse reunindo-se, acumulando-se, até o limite insustentável.
Madrugada alta ouviu-se o som da campainha sendo tocada insistentemente,
seguido de fortes batidas na grade de ferro, que fechada com um forte cadeado,
impedia o acesso direto à porta da DP( abençoada grade!). Corremos para
verificar o que estava acontecendo, antevendo alguma tragédia do tipo perseguição,
homicídio, estupro, sei lá o que passou em nossas cabeças. Só sei que o prognóstico
não era dos melhores. Ao abrirmos a porta ficamos estarrecidos com a multidão
que forçava o portão tentando abri-lo. De imediato todos começaram a falar aos
gritos, uns tentando sobrepor as vozes dos outros, numa gritaria impossível de
entender. O plantonista, mais experiente que nós, volantes em início de
carreira, gritou com a multidão, tentando colocar ordem e entender o motivo
daquele tumulto. Apesar do ar livre, sentia-se o cheiro do álcool que recendia daquele
conjunto. Cada pessoa parecia ter um motivo diferente para procurar a polícia. Ouvia-se
sobre socos, pontapés, direitos a proteção, carteira que pegaram, um deu em
cima da mulher do outro e uma coletânea de impropérios dirigidos a nós por não
abrirmos o portão para que ingressassem na delegacia. Aquele portão parecia que
nos separava do inferno, de Sodoma e Gomorra, ou algo do gênero. A primeira
coisa que pensei é que o xadrez era pequeno para tantos e éramos somente três
policiais. Fazer o quê com aquele bando de loucos alcoolizados? Percebendo a
falta de possibilidade de continuarem a noite tumultuando na delegacia, o bando
começou a dispersar aos poucos, pois além de não receberem o menor acolhimento
de nossa parte, ouviram que seriam presos por vandalismo.
Poucos restaram, entre eles
aquele que provavelmente incitara o grupo. Gritava o próprio nome com a língua enrolada,
dizendo que podiam prendê-lo e não esclarecia a razão de sua presença. Apenas
repetia o seu suposto nome e gesticulava, sacudia o portão e enfiava os braços
entre as barras de ferro, como se quisesse passar por entre elas. Apoiada nas
grades estava uma mulher com aparente idade de 50 anos, cabelos descoloridos,
maquiagem fortíssima já meio escorrida, com uma sombra azul quase anil
colorindo as pálpebras, e um vestido curtinho, rodado, semelhante ao de colombina.
Perguntei o que desejava. Respondeu que seu companheiro havia sumido. Evidente
que eu quis saber se ela já havia ligado para casa, para verificar se ele não teria
ido embora da festa para dormir. Ela prontamente explicou que não moravam juntos, que se conheceram na festa e depois ele sumira. Ela queria uma
providência da polícia, que fosse realizada uma busca para encontrá-lo. Não
preciso dizer que o nível de álcool no sangue da colombina devia estar altíssimo,
julgando-se pelo cheiro que a envolvia e por suas pálpebras que teimavam em
querer fechar. Não foi muito difícil convencê-la de que era melhor esperar pelo
companheiro perdido em casa. Lentamente e com dificuldade para acertar os
passos a colombina seguiu pela calçada, indo, talvez, para casa, ou em busca do
pierrô sumido ou de um arlequim desgarrado, quem sabe. O portão permaneceu
fechado, impedindo que o inferno invadisse a DP, pois já bastam os momentos em
que isso ocorre, não raras vezes, por necessidade premente.
Onde está o livro???
ResponderExcluirBjs
Obrigada!O primeiro exemplar será teu!Bj
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