sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O portão do inferno.

Foi meu primeiro plantão como policial em dia de carnaval. Até certo horário tudo correu normalmente, apenas podia-se ver e ouvir os foliões passando em frente a DP, rumo ao local das costumeiras festas. Uns rindo e conversando, outros já trôpegos, diria já prontos, no estado que julgavam ser o ideal para “aproveitar” a noite. Homens, mulheres, rapazes, meninas, alguns, frequentadores da delegacia, outros, nem tanto, enfim, todos escoando em direção à praia. Ouvia-se muita música ao longe, entremeada pelo som extremo que partia dos veículos em circulação. Parecia um prenúncio de guerra. Deus, que saudade da minha casa! Assim permaneceu, como se toda aquela gente estivesse reunindo-se, acumulando-se, até o limite insustentável. Madrugada alta ouviu-se o som da campainha sendo tocada insistentemente, seguido de fortes batidas na grade de ferro, que fechada com um forte cadeado, impedia o acesso direto à porta da DP( abençoada grade!). Corremos para verificar o que estava acontecendo, antevendo alguma tragédia do tipo perseguição, homicídio, estupro, sei lá o que passou em nossas cabeças. Só sei que o prognóstico não era dos melhores. Ao abrirmos a porta ficamos estarrecidos com a multidão que forçava o portão tentando abri-lo. De imediato todos começaram a falar aos gritos, uns tentando sobrepor as vozes dos outros, numa gritaria impossível de entender. O plantonista, mais experiente que nós, volantes em início de carreira, gritou com a multidão, tentando colocar ordem e entender o motivo daquele tumulto. Apesar do ar livre, sentia-se o cheiro do álcool que recendia daquele conjunto. Cada pessoa parecia ter um motivo diferente para procurar a polícia. Ouvia-se sobre socos, pontapés, direitos a proteção, carteira que pegaram, um deu em cima da mulher do outro e uma coletânea de impropérios dirigidos a nós por não abrirmos o portão para que ingressassem na delegacia. Aquele portão parecia que nos separava do inferno, de Sodoma e Gomorra, ou algo do gênero. A primeira coisa que pensei é que o xadrez era pequeno para tantos e éramos somente três policiais. Fazer o quê com aquele bando de loucos alcoolizados? Percebendo a falta de possibilidade de continuarem a noite tumultuando na delegacia, o bando começou a dispersar aos poucos, pois além de não receberem o menor acolhimento de nossa parte, ouviram que seriam presos por vandalismo.  
Poucos restaram, entre eles aquele que provavelmente incitara o grupo. Gritava o próprio nome com a língua enrolada, dizendo que podiam prendê-lo e não esclarecia a razão de sua presença. Apenas repetia o seu suposto nome e gesticulava, sacudia o portão e enfiava os braços entre as barras de ferro, como se quisesse passar por entre elas. Apoiada nas grades estava uma mulher com aparente idade de 50 anos, cabelos descoloridos, maquiagem fortíssima já meio escorrida, com uma sombra azul quase anil colorindo as pálpebras, e um vestido curtinho, rodado, semelhante ao de colombina. Perguntei o que desejava. Respondeu que seu companheiro havia sumido. Evidente que eu quis saber se ela já havia ligado para casa, para verificar se ele não teria ido embora da festa para dormir. Ela prontamente explicou que não moravam juntos, que se conheceram na festa e depois ele sumira. Ela queria uma providência da polícia, que fosse realizada uma busca para encontrá-lo. Não preciso dizer que o nível de álcool no sangue da colombina devia estar altíssimo, julgando-se pelo cheiro que a envolvia e por suas pálpebras que teimavam em querer fechar. Não foi muito difícil convencê-la de que era melhor esperar pelo companheiro perdido em casa. Lentamente e com dificuldade para acertar os passos a colombina seguiu pela calçada, indo, talvez, para casa, ou em busca do pierrô sumido ou de um arlequim desgarrado, quem sabe. O portão permaneceu fechado, impedindo que o inferno invadisse a DP, pois já bastam os momentos em que isso ocorre, não raras vezes, por necessidade premente.    

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