terça-feira, 30 de agosto de 2011

Pé no barro.


Eu, calçando um par de tênis até um certo momento de cor preta. Um dos colega, com botas igualmente pretas, cuidadosamente polidas: um verdadeiro espelho. O barro, ali, desafiando a cada passo. Resignada encarei meu destino. A viatura atolada, o chassi encostado naquela massa avermelhada, e os pneus fazendo cócegas no lodo em seus giros inúteis. Desci do veículo como uma bailarina, na ponta dos pés. Ai, meu Deus, que meleca! Os três colegas falando em empurrar para desatolar. O das botas polidas cuidando para não macular o brilho delas. Decidiram que eu deveria assumir a direção enquanto empurravam. Me dirigi cuidadosamente para a porta do motorista e procurei o melhor local para pisar. Havia um montinho com aspecto seguro, e para ele dirigi meu pé esquerdo. Pisei firme e..., o pé afundou, como se o objetivo fosse fazer uma forma. Puxei de volta, e deu para ouvir o barulho aquoso da sucção do lodo querendo segurar o meu tênis. Por um instante pensei que ficaria só com a meia e teria que resgatar o maldito com as mãos. Pronto, libertei o calçado da lama. Parecia um pé monstruoso, marrom avermelhado sem forma identificável. Entrei na viatura sem conter as gargalhadas, deixando do lado de fora os risos e comentários dos colegas. Dei partida no motor pisando no pedal da embreagem com aquele pé grudento, com uma placa de barro enorme na sola. Ao acelerar dando ré, a roda levantou um esguicho de água lodosa. Deu para ver o desconforto dos colegas, que buscavam empurrar a viatura e fugir do esguicho. Conseguimos mover o carro e adeus barro, adeus botas-espelho. Voltamos para a base. Eu, calçando um par de tênis com um pé marrom e outro preto. Comentamos entre risos sobre o polimento das botas, lamentavelmente perdido na noite de campana, e sobre a cena da qual fui a protagonista. Exausta deixei de lado o tênis bicolor e caí num sono instantâneo, afinal, eram quase cinco horas de uma madrugada fria e molhada. Perto das sete horas tocou o telefone chamando para nova diligência. Olhei para o bicolor e rejeitei a idéia de calçá-lo. Mas, além dele, eu só tinha um par de chinelos de dedo. Imaginei-me chegando ao local do crime com chinelos e meias brancas. Desisti na hora. Fui, então, com a única opção restante; o bicolor, que certamente me deixou com dois centímetros a mais de altura, em vista das placas de barro aderidas às  solas. O curioso é que tenho saudade antecipada de tudo isso. É um rito de passagem. Para onde? Não sei, talvez para o mundo das memórias. Mas eu só quis dizer. 

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