domingo, 28 de agosto de 2011

Cabaré

Terça-feira, e uma cidade entregue ao sono noturno. O prédio, um esboço a sustentar o telhado. Quando se abriu, a porta deu visão a uma sala de paredes verdes, com toscos desenhos em tinta retrorrefletiva, um verdadeiro susto estético. No teto, um globo espelhado gira, produzindo uma dança de pontos de luz por todo o ambiente. Distribuídas pela sala, três mulheres de olhares desconfiados. Ao fundo, apenas um freguês, dormindo sentado, boca aberta, cabeça apoiada na parede. A música sertaneja muito alta não perturbava seu sono de embriaguez.

Uma pequena abertura numa das paredes permitia aos donos do estabelecimento alcançar as bebidas e observar o movimento da sala. Estes, um casal com idade em torno dos cinquenta anos, estavam ansiosos pelo despertar do último freguês, para encerrar a noite e ir para casa dormir. O mesmo ocorria com as mulheres. Nada mais as prendia no local, apenas aguardavam a liberação do casal. Queriam voltar para suas casas, para seus filhos e, curiosamente, uma delas, para o marido. Esta, com quarenta anos e seu marido com vinte e dois: – Guri de boa cabeça – segundo ela. Seis anos de união. Porque no início do namoro o rapaz tinha 16 anos, foi denunciada pela mãe dele e precisou responder na Justiça. Todas elas eram muito bem informadas sobre a Lei Maria da Penha. Uma admitiu ter saído de um casamento por ter apanhado do marido. Nunca mais voltou para o agressor e sustenta seus dois filhos com o que ganha no cabaré. Aos poucos vão ficando mais à vontade, falando sobre suas vidas e, timidamente, fazem perguntas para saciar a própria curiosidade. São mulheres que tomaram um determinado rumo por razões que não nos compete julgar. Carregam o ônus da própria escolha e da própria necessidade. Ninguém os carrega por elas. Com pecado ou sem pecado, não cabe atirar a primeira pedra. São pessoas com sonhos, esperanças e carências, muitas carências. O tratamento sem preconceito entusiasma, tranquiliza; é perceptível no olhar. Vida fácil? Quem disse? Aliás, não é fácil para ninguém, talvez seja para os com tempo livre para disseminar preconceitos. Vida, somente vida. Cada um com a sua história. Mas eu só quis dizer.

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