segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ponderações


Estou em processo de despedida da localidade onde iniciei minha jornada como policial. Dizer adeus aos colegas, aos colegas amigos e aos meus loucos queridos da cidade, que fizeram parte dos meus plantões, não é fácil. A sensação de vazio invade a alma, a incerteza aperta a garganta, de onde quase sai um pedido de –venham comigo! Ah! Como eu gostaria de não ter que mudar, embora a mudança seja desejada! Contraditório, não? Pois é, mas lá conheci a realidade policial e um mundo, como muitas vezes já expressei, diferente daquele de outras fases da minha vida. Lá vivi momentos muito bons, muitos risos, assim como muitas angústias, que valeram mais que uma disciplina acadêmica. A sensação de perda ocorre porque essa acontece mesmo. Encerrar um período dá essa sensação, pois, seja lá como for, há algo deixado, sem que jamais possa ser resgatado. Não há resgate quando o retorno evidencia grandes diferenças. Se eu retornar depois de um período, o que encontrarei? Alguns terão ido, outros terão vindo, e o cenário terá, também, muitas diferenças. E tampouco seremos iguais. E tudo faz parte da composição da vida; é assim que acontece. Início e término de fases, sentimentos para serem avaliados e expectativas quanto à nova fase; cada coisa em seu tempo e lugar. Quanto aos sentimento, sempre gosto de frisar que o policial é um dos profissionais que mais disfarça o que sente, guarda seus sentimentos em um canto, mas deles não consegue fugir na solidão de uma noite insone. E as marcas ficam espalhadas pelo rosto, acumulando-se, e muitas vezes sendo expressas por uma fala amarga sobre os eventos da vida. Percebo isso e luto contra, não quero mudar a minha forma original, não quero que os demais mudem também. Quero ser a acolhida de quem necessita, quero ter a palavra terna para quem me procura, quero ser humana como creio que todos devam ser. Mudei muito, não há como negar. Fiz-me mais firme, mais resistente e mais controlada, mas meu caráter continua essencialmente o mesmo, e até o meu mau humor matinal continua sendo interrompido apenas pelo café-da-manhã. Algumas coisas permanecem: são marcas registradas. Agora novos caminhos se abrem e eu quero percorrê-los, digo seguramente que o preciso fazer. Sei que mais tarde encontrarei estes mesmos colegas em algum lugar qualquer, e haverá muita fraternidade no encontro. Sobre isso preciso abrir parênteses explicativos.
Trabalhei muito anos como professora, e os reencontros esporádicos com ex-colegas não foram de muita fraternidade. Diria que neles havia uma certa frieza, um distanciamento, salvo naqueles casos em que tivesse ocorrido uma aproximação maior, ultrapassando o contexto profissional; filhos que conviviam bem, maridos em clima de camaradagem, convites para jantar reunindo as famílias, eticetera. Pois bem, entre policiais, há reencontros mais efusivos, salvo alguns casos pontuais. Ouvindo um colega aqui e lá, percebi que a explicação talvez se funde no fato de sermos considerados, por muitos, “párias” da sociedade. Somos uma categoria profissional estigmatizada por atos do passado. As condutas mudaram, os tempos são outros, mas o estigma permanece. A sociedade recorre a nós de acordo com a necessidade; mas nos imputa a responsabilidade das mazelas na segurança. Algumas vezes heróis, algumas vezes algozes, e tantas outras vezes quase marginais, segundo o entendimento geral. Nos tornamos muito próximos, embora a família de cada um seja mantida à parte. Creio ser uma forma de apoio e compreensão “sui generis”. Daí surge a expressão “família Polícia Civil”, num artifício de indução a crer que não estamos sós. Só polícia entende polícia, numa estranha relação, que perpassa da competitividade na convivência diária,  à proteção exacerbada em meio ao tiroteio. Uma relação instigante para estudo em vista da importância no contexto criado pelos próprios policiais. A Policia Civil que eu conheço é um bloco único. Independente da lotação somos colegas e solidários. Qualquer conduta diversa é um desvio. E a origem deste pensamento vincula-se à existência de uma Academia, de onde saem todos os policiais que lotarão as DPs do Estado. Desconheço qualquer policial para o qual os tempos de Academia não tenham sido uma etapa marcante. Piores e melhores momentos de cada um são narrativas presentes nas conversas entre colegas, independente do tempo decorrido. É o ponto em comum inicial e, por aí, muito mais haverá. Em cada Delegacia, uma realidade peculiar, íntima aos que nela trabalham. Há uma riqueza de experiências em cada um, que o afastamento transforma em perda. Estou perdendo num lugar e sei que ganharei em outro, pois é sempre assim. Mas eu só quis dizer.

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