domingo, 18 de março de 2012

Retalhos da Adolescência.


Muitas vezes, tenho lembrado de minha adolescência, de amigos e de colegas com os quais convivi e até reencontrei depois de muitos anos. Ainda recordo de características de alguns deles e de momentos de convivência com acontecimentos marcantes. É bem verdade que, naquela fase, eu não tinha tempo para analisar muito; estava mais focada em  tirar boas notas no colégio, para não ser xingada em casa, e em cuidar do coração, sempre apaixonado. E quantas paixões! Pouco duradouras, bem verdade, mas que faziam a vida ser colorida e repleta de borboletas. A vida social acontecia toda em função do colégio, pois naquele tempo, ocorriam bailes e reuniões dançantes, organizadas pelo grêmio estudantil e pela direção da escola. Todas as atividades esportivas e comemorativas desfechavam num acontecimento dançante. Nas vésperas da festa, quase deslizávamos pelos corredores do colégio, tal a euforia com o acontecimento que se aproximava. O coração ficava aos pulos, só em pensar se os nossos alvos de afeto nos tirariam para dançar na festa. Tudo meio platônico e, como tal, idealizado, o que resultava numa grande emoção ou numa decepção. As mães acompanhavam as filhas e ficavam reunidas na mesma mesa, para conversar e vigiar.
No dia de aula seguinte, após o evento, passávamos cochichando com as melhores amigas em plena sala de aula. Olhares sonhadores ou até olhos inchados, pelo choro triste da desilusão amorosa, faziam parte do momento. Fofoquinhas sobre esta ou aquela colega também compunham o contexto. Mas parecia ser tudo muito dinâmico, e o momento logo ficava para trás, assim como os amores tão devastadores, quanto efêmeros. Mudei de escola para cursar o científico (assim era a denominação na época). Fui para o Colégio Júlio de Castilhos. Confesso que queria muito esta mudança. Mesmo podendo chocar os ex-colegas do Cruzeiro, digo que já estava saturada daquela mesmice, queria mudar de escola, conhecer novas pessoas. A vida na minha casa era um verdadeiro tédio. E eu, talvez por isso, adorava mudanças. Mudei e gostei mais do que poderia imaginar nos meus delírios adolescentes. Lá eu não era nem filha, nem irmã de alguém, como havia sido até então; era simplesmente uma aluna. Meu rito de passagem para uma adolescência com vistas ao amadurecimento ocorreu ali. Conquistei a minha individualidade, meio perdida e meio deslumbrada. Estudar no Julinho em tempos de ditadura militar tinha o seu glamour, fazia com que me sentisse uma rebelde, sem causa obviamente, mas, ainda assim, rebelde. Cá entre nós, política não era o meu forte. Aliás, acho que o de ninguém, em vista do grande tabu criado pelo governo militar. Protestos contra o uso obrigatório do uniforme foram o máximo de ativismo que pudemos experimentar. Foi assunto, durante muitos dias, a cena dantesca dos Pedro e Paulo (assim eram chamados) saltando de seus veículos com cassetetes nas mãos, para se pôr em perseguição aos alunos que se negavam a entrar na escola. Meninos e menina,s entre 14 e 18 anos, fugindo aos gritos, em seus rejeitados uniformes amarelo-ouro e marrom. Apesar do absurdo, aquilo tudo nos rendeu lembranças e conversas emocionadas. Lembro do diretor do turno da tarde, horário em que acontecera o protesto, em estado de desespero pelo episódio. Jurava não haver chamado o policiamento. Recolhidos ao interior do colégio, ficamos por um longo tempo olhando, através dos vidros, os policiais, enfileirados, cobrindo toda a frente do prédio, como a transmitir a mensagem “saiam e verão o que lhes acontece”. Não saímos, lógico! Depois de um tempo, fomos para as respectivas salas de aula. O colégio, que tinha fama de ser reduto de alunos comunistas, nem grêmio estudantil possuía mais; somente tinha por alunos uma legião de adolescentes rebeldes, em busca de um pouco de aventura, tal como há em todos os tempos. E ríamos, e brincávamos, e namorávamos de uma forma tão leve, que passaríamos por retardados aos olhos dos adolescentes de hoje.
O bairro onde morava deixou de ter o significado de vida social para mim. Passou a ser somente onde estava localizada a minha casa. A família, extremamente conservadora, era um ponto de referência, e eu a sentia, muitas vezes, como um serviço de carceragem. Era o que me mantinha dentro dos padrões convencionais. Mas digo, com toda a sinceridade, que o que eu queria naquele tempo era ganhar o mundo, ser livre, embora nem saiba explicar o que entendia por liberdade. Eu queria poder pensar diferente e até este direito me era tirado. Cedo descobri que pensar e não expor meus pensamentos era a melhor forma de preservar a minha liberdade de ser e sentir. Não conseguia pensar como queriam que eu pensasse e, por esta razão, era constante alvo de recriminações em casa. Até hoje me questiono sobre os motivos. Aprendi a mostrar de mim apenas aquilo que sabia não provocar conflitos. Foi a forma que encontrei de preservar a minha alegria e individualidade, e de ter um mundo no qual as minhas idéias sobrevivessem. Dele os contrários eram merecidamente excluídos. Era como ter vida dupla. Uma em família e outra no mundo, longe dela. E, do meu jeito, consegui sobreviver ao afogamento pelas lágrimas de adolescente, em fuga da total falta de um diálogo familiar franco. Criei minhas asas gradativamente. Aonde elas me levaram? À conquista de ser, dizer, chorar e rir, sem interrupções de comando. Alguns devem se pôr a imaginar que criatura difícil fui. Podem esquecer. Acredito que a austeridade daquele tempo, quando alguns pais reinavam absolutos em seus lares, transformasse em problema o filho que tivesse alguma personalidade. Respeito era o chamado acatamento das vontades paternas. Mas, na minha casa, a rigidez era visivelmente maior do que na casa das minhas colegas. Espontaneidade era sinônimo de falta de trato social, falta de juízo e de tantas outras coisas consideradas inadequadas na minha família.  Muitas vezes, reflito sobre o quanto a repressão emocional deixa marcas em nossas vidas, levando até ao desespero, se a inteligência não apontar um caminho alternativo que permita o desabrochar da personalidade. Com o tempo, já tendo constituído minha família, passei a dialogar mais francamente com meus pais. Eu não dependia deles, e o perceptível medo da solidão os fez ficarem mais contidos no quesito austeridade. Mas a minha adolescência já havia ido embora, sem uma vez sequer ter sentido ser algo mais que uma preocupação. Não dói mais. Mas eu só quis dizer.

Um comentário:

  1. É estranho como depois de tantos anos, temos a oportunidade de saber além do que os encontros adolescentes nos permitiam na época. E acho que nem saberíamos lidar com esses momentos. Faltava a cada um de nós, maturidade.
    Se eu tivesse que escolher uma fase para exemplificar a minha adolescência seria a do São Luiz, onde fiz meu ginásio. Um momento muito mais rico, leve e carregado de emoções.
    Também não tive nenhuma opressão familiar. Meus pais eram abertos e participativos.
    É, ou foi, uma época marcante, que nos deixou marcas boas e ruins... e essas não somem, elas se somam a toda uma história de vida. Um beijo

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