Muitas vezes, tenho lembrado de
minha adolescência, de amigos e de colegas com os quais convivi e até
reencontrei depois de muitos anos. Ainda recordo de características de alguns
deles e de momentos de convivência com acontecimentos marcantes. É bem verdade
que, naquela fase, eu não tinha tempo para analisar muito; estava mais focada
em tirar boas notas no colégio, para não
ser xingada em casa, e em cuidar do coração, sempre apaixonado. E quantas
paixões! Pouco duradouras, bem verdade, mas que faziam a vida ser colorida e
repleta de borboletas. A vida social acontecia toda em função do colégio, pois
naquele tempo, ocorriam bailes e reuniões dançantes, organizadas pelo grêmio
estudantil e pela direção da escola. Todas as atividades esportivas e
comemorativas desfechavam num acontecimento dançante. Nas vésperas da festa,
quase deslizávamos pelos corredores do colégio, tal a euforia com o
acontecimento que se aproximava. O coração ficava aos pulos, só em pensar se os
nossos alvos de afeto nos tirariam para dançar na festa. Tudo meio platônico e,
como tal, idealizado, o que resultava numa grande emoção ou numa decepção. As
mães acompanhavam as filhas e ficavam reunidas na mesma mesa, para conversar e
vigiar.
No dia de aula seguinte, após o
evento, passávamos cochichando com as melhores amigas em plena sala de aula. Olhares
sonhadores ou até olhos inchados, pelo choro triste da desilusão amorosa,
faziam parte do momento. Fofoquinhas sobre esta ou aquela colega também
compunham o contexto. Mas parecia ser tudo muito dinâmico, e o momento logo ficava
para trás, assim como os amores tão devastadores, quanto efêmeros. Mudei de
escola para cursar o científico (assim era a denominação na época). Fui para o
Colégio Júlio de Castilhos. Confesso que queria muito esta mudança. Mesmo podendo
chocar os ex-colegas do Cruzeiro, digo que já estava saturada daquela mesmice,
queria mudar de escola, conhecer novas pessoas. A vida na minha casa era um
verdadeiro tédio. E eu, talvez por isso, adorava mudanças. Mudei e gostei mais
do que poderia imaginar nos meus delírios adolescentes. Lá eu não era nem
filha, nem irmã de alguém, como havia sido até então; era simplesmente uma
aluna. Meu rito de passagem para uma adolescência com vistas ao amadurecimento
ocorreu ali. Conquistei a minha individualidade, meio perdida e meio
deslumbrada. Estudar no Julinho em tempos de ditadura militar tinha o seu
glamour, fazia com que me sentisse uma rebelde, sem causa obviamente, mas,
ainda assim, rebelde. Cá entre nós, política não era o meu forte. Aliás, acho
que o de ninguém, em vista do grande tabu criado pelo governo militar.
Protestos contra o uso obrigatório do uniforme foram o máximo de ativismo que
pudemos experimentar. Foi assunto, durante muitos dias, a cena dantesca dos Pedro
e Paulo (assim eram chamados) saltando de seus veículos com cassetetes nas
mãos, para se pôr em perseguição aos alunos que se negavam a entrar na escola.
Meninos e menina,s entre 14 e 18 anos, fugindo aos gritos, em seus rejeitados
uniformes amarelo-ouro e marrom. Apesar do absurdo, aquilo tudo nos rendeu
lembranças e conversas emocionadas. Lembro do diretor do turno da tarde, horário
em que acontecera o protesto, em estado de desespero pelo episódio. Jurava não
haver chamado o policiamento. Recolhidos ao interior do colégio, ficamos por um
longo tempo olhando, através dos vidros, os policiais, enfileirados, cobrindo
toda a frente do prédio, como a transmitir a mensagem “saiam e verão o que lhes
acontece”. Não saímos, lógico! Depois de um tempo, fomos para as respectivas
salas de aula. O colégio, que tinha fama de ser reduto de alunos comunistas, nem
grêmio estudantil possuía mais; somente tinha por alunos uma legião de adolescentes
rebeldes, em busca de um pouco de aventura, tal como há em todos os tempos. E
ríamos, e brincávamos, e namorávamos de uma forma tão leve, que passaríamos por
retardados aos olhos dos adolescentes de hoje.
O bairro onde morava deixou de
ter o significado de vida social para mim. Passou a ser somente onde estava
localizada a minha casa. A família, extremamente conservadora, era um ponto de
referência, e eu a sentia, muitas vezes, como um serviço de carceragem. Era o
que me mantinha dentro dos padrões convencionais. Mas digo, com toda a
sinceridade, que o que eu queria naquele tempo era ganhar o mundo, ser livre,
embora nem saiba explicar o que entendia por liberdade. Eu queria poder pensar
diferente e até este direito me era tirado. Cedo descobri que pensar e não
expor meus pensamentos era a melhor forma de preservar a minha liberdade de ser
e sentir. Não conseguia pensar como queriam que eu pensasse e, por esta razão,
era constante alvo de recriminações em casa. Até hoje me questiono sobre os
motivos. Aprendi a mostrar de mim apenas aquilo que sabia não provocar
conflitos. Foi a forma que encontrei de preservar a minha alegria e individualidade,
e de ter um mundo no qual as minhas idéias sobrevivessem. Dele os contrários
eram merecidamente excluídos. Era como ter vida dupla. Uma em família e outra
no mundo, longe dela. E, do meu jeito, consegui sobreviver ao afogamento pelas
lágrimas de adolescente, em fuga da total falta de um diálogo familiar franco.
Criei minhas asas gradativamente. Aonde elas me levaram? À conquista de ser,
dizer, chorar e rir, sem interrupções de comando. Alguns devem se pôr a
imaginar que criatura difícil fui. Podem esquecer. Acredito que a austeridade
daquele tempo, quando alguns pais reinavam absolutos em seus lares,
transformasse em problema o filho que tivesse alguma personalidade. Respeito
era o chamado acatamento das vontades paternas. Mas, na minha casa, a rigidez
era visivelmente maior do que na casa das minhas colegas. Espontaneidade era
sinônimo de falta de trato social, falta de juízo e de tantas outras coisas
consideradas inadequadas na minha família.
Muitas vezes, reflito sobre o quanto a repressão emocional deixa marcas
em nossas vidas, levando até ao desespero, se a inteligência não apontar um caminho
alternativo que permita o desabrochar da personalidade. Com o tempo, já tendo
constituído minha família, passei a dialogar mais francamente com meus pais. Eu
não dependia deles, e o perceptível medo da solidão os fez ficarem mais
contidos no quesito austeridade. Mas a minha adolescência já havia ido embora,
sem uma vez sequer ter sentido ser algo mais que uma preocupação. Não dói mais.
Mas eu só quis dizer.
É estranho como depois de tantos anos, temos a oportunidade de saber além do que os encontros adolescentes nos permitiam na época. E acho que nem saberíamos lidar com esses momentos. Faltava a cada um de nós, maturidade.
ResponderExcluirSe eu tivesse que escolher uma fase para exemplificar a minha adolescência seria a do São Luiz, onde fiz meu ginásio. Um momento muito mais rico, leve e carregado de emoções.
Também não tive nenhuma opressão familiar. Meus pais eram abertos e participativos.
É, ou foi, uma época marcante, que nos deixou marcas boas e ruins... e essas não somem, elas se somam a toda uma história de vida. Um beijo