Manhã com um friozinho gostoso de
beira de rio. Depois de um dia agitado e de uma noite tranqüila, aproxima-se a
hora de encerrar o plantão. O que conclui o despertar é o café da manhã na
padaria bem próxima à DP. A refeição da manhã tem a finalidade fundamental de
me extrair do estado de catatonia em que levanto. Depois de dormir sobre um
colchão que parece uma massa, levanto toda doída e deixo meu formato gravado
nele. A saída é alongar e correr para a padaria. Viva o pão de queijo! Viva a
cueca virada!Viva o café com leite! Incrível! Uma alegria gastronômica na vida
da magrela! No curto trajeto, encontros e diálogos habituais:
- Bom dia, alemoa!
- Bom dia, querida! Tô indo pra
casa. Vô compá pon. Olha o meu cachorro, esse é meu, meu cachorro!
Acho que durante a noite fez
amizade com um cachorro de rua e este passou a seguí-la. Mas nem um cachorro
agüentaria acompanhá-la em suas caminhadas pela cidade.
-Legal, alemoa, muito bonito o
teu cachorro. Tchau, alemoa!
Sigo meu caminho e a deixo
falando alguma coisa ininteligível. Ela passa o dia inteiro caminhando pela
cidade, mas anuncia estar fazendo faxina. Ninguém imagina quando dorme. Algumas
vezes pergunta se ônibus já passou, mas nunca a vi subir nele. Caminho mais um
pouco e já visualizo o ciclista. Este me abana falando alguma coisa que nunca
consigo entender. Na mão, uma latinha de refri, que dizem ser um disfarce para
a cachaça. Mas, cachaça, cedo da manhã? Sua fala parece vir do interior de uma
cumbuca. Tem um som muito estranho. Conversa sozinho todo o tempo. Parece um
rádio ligado. Dizem que uma roda acertou a cabeça dele em cheio, o que o deixou
mais sequelado do que já era. Entro na padaria, cumprimento os conhecidos e
peço o meu café. Sento em uma mesa próxima à vitrine. É bom observar as pessoas
que passam em direção ao trabalho, ou que vão até a praia, para atravessar o
rio na barquinha que faz o vai-e-vem de pessoas entre as cidades. Próximo a
minha mesa está Adão. Olho para ele e com um “bom dia”, introduzo uma conversa.
- E aí, Adão, tomando o café para
começar ou encerrar o dia?
No seu traje de vigilante,
pistola de plástico em um coldre surrado, postura estudada para transmitir
cansaço, ele responde:
- Tô saindo, tava de plantão.
Naquele momento, ele “está” um
vigilante; mas, outras vezes, usa terno e passa a ser delegado. As pessoas
costumam dar-lhe uniformes e ele muda de profissão conforme a roupa que veste.
Há vários personagens em Adão. De correspondente internacional a agente
penitenciário. Mas ele adora polícia. Já disse que dará um curso de técnicas
operacionais para nós, da DP. Alguém deve ter falado no assunto e ele
memorizou. Contaram que fez até demonstrações em frente à Delegacia. Outro dia
mostrou os finos braços dizendo que está malhando na academia.
- Tô fortão! Puxando ferro!
Mostrei-me impressionada, e ele
ficou visivelmente envaidecido.
Meu café é servido e inicio o
gostoso delírio matinal. Dá uma alegria enorme estar ali, naquela pequena
cidade, tomando aquele café delicioso e cercada por meus loucos. Talvez eu
também seja um deles. De que tipo, não sei, mas certamente sou louca por café
com leite, pão de queijo e cueca virada. Então, só o que há para dizer é:
-Bom dia, loucura!! Isso tudo me faz muito
feliz! Mas eu só quis dizer.
Quando se escreve, quer-se que o leitor se identifique com a história. Que vivencie no imaginário como se presente estivesse...
ResponderExcluirTu o fazes com uma maestria como poucos. Senti o gosto do pão de queijo e da cueca virada. Só troquei o café com leite pelo preto.
Sou tua fã.
Maravilhoso , Sílvia! Adoro crônicas! Vou voltar sempre para te ler, tua colega Rejane Savegnago
ResponderExcluirAmei teu texto,e te pergunto o que sempre me pergunto,por que será que os loucos sempre rondam as delegacias,eu aqui tenho contando por alto uns cinco que são clientes,tem uma que entra dez vezes por dia,quer fazer ocorrência,ai tu diz :Mas a senhora já fez e ela se vai com cara de surpresa...logo retorna...
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