sábado, 16 de abril de 2011

Contato com a dor.

Tantas coisas ocorrem, ao longo dos dias, que os tornam plenos. Deixamos que os acontecimentos fiquem relegados ao esquecimento, mas acredito que, embora isso ocorra, cada momento tem uma força transformadora. Vivemos um instante e, no seguinte, não somos mais os mesmos. A história de vida de cada um é densa, dinâmica e marcante. E quanto mais participamos ou presenciamos as vivências e dores de outros, mais nos acrescemos e nos transformamos também. Outro dia, durante um plantão, fui tomada de surpresa pela entrada de dois policiais militares conduzindo um cidadão. Na verdade, tratava-se de um marido drogado que havia sido interrompido ao tentar espancar a esposa em plena via pública. A fúria e descontrole faziam com que o indivíduo tivesse uma conduta irracional, produzindo lesões até em seus condutores. Aparentava ser uma fera, no sentido animal mesmo. A mulher, a personificação da vítima, coitada, sofrida, repleta de hematomas pelo corpo todo. Um dos seus olhos testemunhava o soco desferido pelo agressor, o outro, as lágrimas que teimavam em escorrer. Perguntar como as coisas chegaram a tal ponto é inútil. Marido usuário de drogas, filhos para manter, trabalho pesado como diarista e tempo só para trabalhar. O cara, não dá para referir de outra forma, um verdadeiro bicho, que, apesar das medidas protetivas, insistia ter a posse da mulher. Ou fica e apanha ou separa e morre. No caso, houve a separação, mas em muitos não há. O dia seguinte, na maioria dos casos, é dia de recomeçar a relação. E de apanhar também. Os filhos ficam em meio ao clima de violência doméstica, assistindo, quando não são espancados. Difícil é ficar neutra em tal circunstância. Em muitos casos, dedico um bom tempo na orientação e consolo da vítima. Gostaria de fazer mais, mas não há o que. O sistema não favorece, apenas oportuniza o contato com a dor, sem possibilidade de expurgá-la.

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