quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Resgatando o afeto


Entrei e olhei os rostos, procurando algum que me fosse familiar. Escolhi uma mesa de onde eu pudesse observar a porta. Lentamente puxei a cadeira, sentei e, de imediato, comecei a remexer no conteúdo da minha bolsa, buscando, naquele mar caótico, uma caneta. Se tivesse que esperar, precisaria me ocupar, quem sabe, escrevendo algumas linhas, para aproveitá-las em um texto novo. Nada de caneta, incrível! Desisti e comecei a olhar o cardápio que o garçom trouxera na minha chegada. As gurias logo chegariam! E o Claudio, será que viria também? Eu estava ali, inquieta como uma adolescente. Na verdade, naquele momento, eu era uma adolescente, pois meus pensamentos estavam voltados aos meus treze ou quatorze anos – tempo de ginásio. Sempre fico assim quando vou ao encontro dos colegas da adolescência. É como se abrisse uma janela no tempo e esta me permitisse retomar a leveza da juventude. Entrava um, entrava outro e nada de aparecerem. Olhei as horas e constatei estar havia cinco minutos ali. Mas que cinco minutos longos! Novamente, a porta se abriu e vi o Claudio. Um misto de alegria e serenidade tomou conta de mim. Quarenta anos se passaram desde a última vez em que nos vimos. Como explicar a insignificância desse tempo, em relação aos cinco minutos anteriormente esperados? Senti a alegria do reencontro, e a sensação de que há pouco estávamos sentados no muro do colégio, conversando durante o recreio. O reencontro desfez o espaço temporal, trazendo aquele sentimento de amizade e proximidade. Saudade? Acho que é só uma palavra que usamos por não sabermos expressar o que realmente sentimos. Penso ser familiaridade, quando nos sentimos tão próximos e à vontade, num reencontro após quarenta anos. O abraço, caloroso, cheio de “Claudio”. É, sempre foi assim, muito Claudio, como só ele sabia ser, e percebo que ainda sabe. Sentados frente-a-frente, comecei a falar, numa urgência de contar as últimas novidades da minha vida, como se ele soubesse alguma coisa dela. Como se houvéssemos conversado no dia anterior. Sobre a expressão “falar pelos cotovelos”, fui à exemplificação na medida exata. Tinha tanto para dizer, que realmente precisaria de cotovelos falantes. Mudamos em muitos aspectos. Vivemos nossas vidas na mesma cidade, sem um dia sequer termos nos encontrado. Cada um cuidando da própria vida, dos seus amores e seguindo sua caminhada. Envelhecemos, evidentemente. As indisfarçáveis marcas do tempo estavam presentes nos nossos rostos, mas ainda éramos nós, Claudio e Silvia, sentados no muro do colégio, rindo e conversando; ele, mais a observar. Esses momentos me fazem sentir como a vida é boa. Pequenas frações de tempo renovam, pela alegria que proporcionam. Minha tagarelice foi interrompida pela chegada da Lea e da Jeanne. Como não ficar feliz naquele momento? Posso dizer que estarmos ali era um presente. O meu dia havia sido difícil, com frustrações relacionadas ao trabalho, as quais ficaram esquecidas. A Jeanne, que fazia muito não via o Claudio, passou de imediato a indagá-lo, alegando que tinha que aproveitar a oportunidade para se atualizar sobre a vida dele, saber dos filhos, casamento, eticétera, eticétera. Foi divertido assistir! A Lea já estava mais inteirada, pois sempre manteve contato ao longo dos anos. Mas o Claudio tinha um compromisso e precisava ir embora. Nos despedimos, então. Lamentei, mas não fiquei triste. Ele iria se ausentar da minha vida por um espaço de tempo indeterminado, porém, insignificante a partir do momento em que nos reencontrássemos, tal como ocorrera com os quarenta anos. Percebi que, em qualquer tempo, ele continuaria sendo muito “Claudio”. Ele estava bem, isso é o que importava. Sozinhas, eu, Jeanne e Lea recomeçamos nossa conversa, que ainda se estendeu por algumas horas, insuficientes para tanto o que falar. Combinamos novo encontro para breve. Levantamos e lentamente saímos pela porta, como meninas com saias de preguinhas em tempo de colégio; a alma renovada pela certeza da vitória no desafio do tempo. No caminho para casa, pensei muito neles e no quanto vê-los me fizera bem. Realmente não é saudade. É uma retomada do afeto, sem resgate do passado; simplesmente assim. Somos o que somos no presente, e do passado só queremos o afeto que  não se extinguiu; se renova a cada encontro. Antes que o tempo me vença é melhor comunicar: - Claudio, Jeanne e Lea, que bom que estão na minha vida! Amo vocês! Mas eu só quis dizer.

2 comentários:

  1. "É uma retomada do afeto, sem resgate do passado; simplesmente assim." Não vou mentir. Me emocionei muito com o texto, porque me vi nele. Esse sentimento faz parte de mim e me aquece a alma quando vou a POA e revejo "as gurias". Uma intimidade que o tempo não conseguiu apagar, uma amizade que deixa nos deixa leve e traz uma alegria imensa ao nosso coração. Obrigada por colocar em palavras emoções tão lindas. Amizades assim dão sentido à vida.

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  2. Like, as lágrimas me embaçam a visão sempre que comentas os meus posts, tanta é a doçura das tuas palavras. E comentas sempre, e me emocionas sempre. De uma forma inusitada, também fazes parte do resgate do afeto.

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