sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Cansaço, nó na garganta e falta de poesia.

Quando decidi mudar a minha vida, incluindo nela uma atividade profissional totalmente diversa da que eu já havia exercido, confesso que tive momentos de dúvidas, uma vez que precisei passar por um treinamento que exigia vigor físico e também resistência ao sono nas muitas horas de aulas teóricas. A disciplina de horários rígidos, que incluía aulas e provas em sábados e domingos, tinha o dom de despertar reflexões sobre a validade de tudo o que me impunha tanto sacrifício. Muitas vezes, me flagrei buscando justificativas na idade para largar tudo e voltar para o aconchego da minha casa e carinho dos familiares. Fui impedida pela vergonha de ceder ao comodismo, e pela gana de estar permitindo que a pressão fosse mais forte que os meus objetivos. Quando lembro dos períodos mais críticos, imediatamente a memória resgata o apoio que recebi do marido, dos filhos e de alguns amigos e colegas. Ah! Chorei em várias ocasiões, pois o cansaço fragiliza ao extremo. Passei a ver a minha casa de uma forma nova. Vivenciei o verdadeiro sentido do aconchego do lar. Voltar para casa, após oito horas torturantes de treinamento, mais duas horas de trânsito congestionado entre ida e volta, passou a ser o momento mais precioso da vida. Se outros sentiam o cansaço com a mesma intensidade, não sei, mas para mim foi pagar todos os pecados em vida e sair ainda com crédito para alguns anos. O meu corpo foi aos poucos adquirindo uma resistência inédita (na minha vida, é evidente). Nem gripe adquiri - apesar do inverno rigoroso e chuvoso, e do grande número de colegas gripados convivendo em uma sala de aula fechada devido ao frio. Não fui uma aluna brilhante, mas digo com toda a sinceridade que isso realmente não me importava. Analisei muito todas as etapas, principalmente no que se referia a comportamento humano. Foi um aprendizado incrível. É difícil descrever o quanto me reciclei através da convivência com tanta gente jovem. A distância entre gerações era muito grande. Com os filhos convivi na condição de mãe, com alunos como professora. Lá estava eu, aluna, alvo de críticas ácidas e, às vezes, de gritos. E por escolha minha! Eu poderia passar por cima de alguns detalhes, mas, se o fizesse, o relato perderia o objetivo principal, que é o de mostrar que derrubar preconceitos tem um preço. Pagamos o preço se a vontade for grande. Assim, me sentia uma criatura meio corajosa e meio acovardada, com uma vontade louca de externar tudo o que percebia, mas sem poder fazê-lo por motivos disciplinares. Foi complicado ouvir gritos para aprender a agir em ambiente de tensão, me sentir ridícula, em muitos momentos, pela falta de agilidade e coordenação motora, o que fatalmente ocorre com o passar dos anos e quando nunca tivemos como área de interesse as atividades físicas. Jogos nunca fizeram parte do meu passatempo, e, em tempos de colégio, detestava as aulas de educação física, que se restringiam a vôlei e a caçador, quando a bola vinha invariavelmente na minha direção com a força de um coice. Até hoje me pergunto de onde se originava tanta força em meninas tão cheias de fragilidade e meiguice. Como conseguiam arremessar a bola com tanta força? Eu nunca consegui dar um saque que valesse a pena! Assim, tanto tempo depois, o fiasco só poderia ser maior. Um dia, numa das aulas de preparação física, levei uma bolada que me fez ficar com zumbido no ouvido. Foi um ato estúpido de uma colega. A criatura adorava ser engraçadinha. Não gostei, é evidente, mas deixei passar como se não soubesse a origem. Muitas vezes precisamos deixar de lado a nossa vontade de revidar à altura. Faz parte do exercício de controle emocional. Mas o nó na garganta e os questionamentos internos ocorrem como uma reação natural. Nada de privilégios ou de tolerância. Escolhi estar lá, a proposta era minha e eu tinha que provar ser capaz. O tempo vai indicando a melhor postura a ser adotada. Levamos uma bolada e silenciamos, ouvimos uma grosseria e silenciamos, e silenciamos, e silenciamos, tudo em nome do objetivo. O grande problema é a sensação de impotência que começa a tomar conta. Ela pode crescer tanto a ponto de não querermos estar onde tanto lutamos para chegar. Se alguém fizer uma idéia poética da minha trajetória, estará redondamente enganado. A poesia, eu diria, absteve-se ao início, quando havia o desconhecimento do que estava por vir, e ao final, quando já era possível saber que a superação havia levado a melhor. Sobra, no rescaldo, o alívio da sobrevivência e a alegria por ter persistido, podendo finalmente chegar ao que inicialmente era o objetivo e ao que, na verdade, é mais uma etapa cheia de desafios.

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