domingo, 7 de novembro de 2010

Recomeço ou uma nova experiência.

Um dia uma mulher se olhou no espelho e ficou a analisar aqueles fios de cabelos brancos que teimavam em se sobressair em meio a tantos outros fios negros. Serenamente analisou-os pensando que cada fio branco era a marca deixada por momentos de aflição, tristeza e dor ao longo de sua vida. Olhou os sulcos que marcavam seu rosto e pensou que, tal como a chuva e o sol deixam suas marcas na terra, as lágrimas e os sorrisos haviam deixado sinais de passagem em sua face. Pensou em como usara o seu tempo até ali. Lembrou dos filhos, agora crescidos, lembrou do marido que envelhecera também, ao seu lado. Vozes de crianças sobrevinham do passado trazidas pela memória: seus pequenos amores, hoje amores grandes. Sorriu, como sempre fazia ao ver ou lembrar seus amados. Então, como se uma forte luz incidisse sobre ela, passou a perceber a própria imagem sem qualquer familiaridade. Aquela diante do espelho era a mesma mulher de minutos atrás, porém, naquele momento, uma mulher tomada por questionamentos sobre o sentido de viver. Sem saber quanto tempo permaneceu num diálogo silencioso com a imagem do espelho, finalmente voltou a sorrir. Agora, se sentia tomada por uma imensa serenidade, como se estivesse envolvida num aconchegante abraço. Sabia o sentido de viver e vislumbrava o novo caminho que desejava percorrer. Durante a infância desejara ser amada e acarinhada. Quisera, em vão, sentir a aceitação amorosa. Refugiara-se então num mundo imaginário, que lhe trouxera conforto e liberdade. De alguma forma construíra uma proteção particular, que suavizara o impacto das asperezas humanas. O tempo a introduziu no mundo adulto através das conseqüências de cada escolha feita. Momentos de felicidade, quase divinos, tal como o nascimento dos filhos, momentos de tristeza, muitos deles, conseqüência de sua pouca habilidade em lidar com o fel humano. Ao refletir sobre erros e acertos, a mulher percebera o verdadeiro significado embutido nestas palavras. Ambas vinham carregadas de critérios de julgamentos alheios. Qual seria o seu genuíno entendimento sobre o certo e o errado? Percebera que havia vivido e realizado muito, com resultados que a deixaram feliz ou não. Mas realizara, buscando o melhor e doando o seu melhor. É o que realmente importara no devido momento. Os enquadramentos quanto ao certo ou quanto ao errado advieram de outrem. E quem, em algum dia de suas vidas, dedicara um minuto sequer para intencionalmente proporcionar-lhe felicidade? Da resposta nascera a paz e o sentimento de liberdade. Tantos anos vividos em meio aos compromissos, tarefas e cobranças, sem vislumbrar qualquer oferecimento de auxílio. Fizera muito com grande prazer e bastante por necessidade e cobranças. De tudo resultara a experiência que hoje carregava consigo, como um bem maior seu, somente seu. E o que fazer com aquele bem tão precioso? Que valor poderia ter para os dias que viriam, um após o outro. Queria que muitos ainda estivessem por vir. E por que não? Seu corpo era ágil, sua mente repleta de idéias e vontades. Mas até aquele dia ficara resignada a esperar o tempo passar e a aceitar que a vida iniciara a contagem regressiva. Num auto questionamento se perguntava onde estava determinado que querer, sonhar e buscar seus sonhos era prerrogativa dos jovens. Onde ficava o limite estabelecido entre o querer e o poder querer? Quem desfrutava do poder de estabelecer as possibilidades alheias? O que percebia a cada reflexão era um amontoado de conceitos e preconceitos, vis, rançosos, entranhados na concepção geral de tal forma a fazer com que a morte, acontecimento natural a todos os que nascem, passe a assombrar os que têm a sorte de não morrer cedo. Na sua mente vinham pensamentos sobre saúde, dores no corpo, lembrando que nos jovens as dores são simplesmente dores e nos velhos sinais do desgaste, sinais da contagem regressiva, anúncio da morte rondando. Claro que ninguém é imortal, mas também o somos enquanto nosso corpo e mente desejam ser, pensava ela. A palavra desafio não foi criada apenas para ficar no dicionário, ela existe porque precisamos expressar o ímpeto que sentimos de realizar algo supostamente difícil. E o desafio é muito mais que uma palavra; é uma emoção que arrasta consigo múltiplas emoções. E a mais forte delas é a realização, concluiu. Ao deixar para trás o espelho, nele deixou aprisionado tudo o que a havia cerceado até o momento. Estava pronta para o recomeço ou uma nova experiência.

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